quinta-feira, novembro 06, 2008

Devia morrer-se de outra forma...


Devia morrer-se de outra maneira. Transformarmo-nos em fumo, por exemplo. Ou em nuvens.

Quando nos sentíssemos cansados, fartos do mesmo sol a fingir de novo todas as manhãs, convocaríamos os amigos mais íntimos com um cartão de convite para o ritual do Grande Desfazer: "Fulano de tal comunica a V. Exa. que vai transformar-se em nuvem hoje às 9 horas. Traje de passeio". E então, solenemente, com passos de reter tempo, fatos escuros, olhos de lua de cerimónia, viríamos todos assistir à despedida. Apertos de mãos quentes. Ternura de calafrio."Adeus! Adeus!" E, pouco a pouco, devagarinho, sem sofrimento, numa lassidão de arrancar raízes...(primeiro, os olhos... em seguida, os lábios... depois os cabelos... ) a carne, em vez de apodrecer, começaria a transfigurar-se em fumo...tão leve... tão sutil... tão pólen...como aquela nuvem além (vêem?) — nesta tarde de Outono ainda tocada por um vento de lábios azuis...

José Gomes Ferreira

4 comentários:

Ariane Rodrigues disse...

Belo post, querida Nina! Certamente seria mágico, mas seria a vida?

Anônimo disse...

Quanta sutileza para se falar de nossa partida deste mundo...
Gostei bastante, nesta se vai com tanta suavidade que nem dá para sentir.É penso, desta forma que todos gostaríamos.

Blue Moon disse...

Extraordinária imagem da morte. Quem me dera que assim fosse. Eu, apesar de tudo, ainda quero acreditar que algo mais temos à nossa espera depois da morte. Ainda quero acreditar.....

nina disse...

A morte assim seria mais fácil de aceitar! Apenas uma suave, doce e indelével despedida.