segunda-feira, junho 04, 2012

A neve (em Junho)

Batem leve, levemente, como quem chama por mim...
Será chuva? Será gente?
Gente não é, certamente e a chuva não bate assim...
É talvez a ventania; mas há pouco, há poucochinho,
nem uma agulha bulia na quieta melancolia dos pinheiros do caminho...
Quem bate, assim, levemente, com tão estranha leveza, que mal se ouve, mal se sente?
Não é chuva, nem é gente, nem é vento, com certeza.
Fui ver.
A neve caía do azul cinzento do céu, branca e leve, branca e fria...
Há quanto tempo a não via!
E que saudade, Deus meu!
Olho-a através da vidraça.
Pôs tudo da cor do linho.
Passa gente e, quando passa, os passos imprime e traça na brancura do caminho...
Fico olhando esses sinais da pobre gente que avança, e noto, por entre os mais, os traços miniaturais de uns pezitos de criança...
E descalcinhos, doridos...
a neve deixa inda vê-los, primeiro, bem definidos,
- depois em sulcos compridos, porque não podia erguê-los!...
Que quem já é pecador sofra tormentos... enfim!
Mas as crianças, Senhor, porque lhes dais tanta dor?!...
Porque padecem assim?!
E uma infinita tristeza, uma funda turbação entra em mim, fica em mim presa.
Cai neve na natureza... – e cai no meu coração.

Augusto Gil - Luar de Janeiro, 1909

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