quarta-feira, agosto 09, 2006


DELPHINA

Delphina de nome
Delphina de corpo
Pequenina, delgada e fina

Lembro-me de Ti
De teu corpo tão pequenino
De mulher criança
Espalhando mimo
De criança mulher
Buscando uma nova esperança

Lembro-me de Ti
Da tua pele curtida pelo sol
No teu rosto as marcas deixadas pelo tempo
Pelas tristezas e alegrias
Pela vida, passado e presente dos anos

Lembro-me de Ti
Das tuas mãos calejadas das lides e do campo
Mãos pequeninas e contudo fortes
Engelhadas e àsperas
Mas prontas para trabalhar e lutar
Sempre para dar e receber

Lembro-me de Ti
Do teu sorriso harmonioso
Quase tímido e sempre tão calado
Mas contudo radioso

Lembro-me de Ti
Do brilho do teu olhar
Que tentava ocultar a dor
O luto e a morte espantar
Nessas cortinas castanhas e opacas
A realidade da vida ofuscar

Lembro-me de Ti
Do teu cheiro a terra
Pinheiros, sol e a ceara
Do leite acabado de ferver
Da cevada pronta a beber

Lembro-me de Ti
Dos teus abraços tão ternos
Na minha doce infância
Dos teus pquenos presentes eternos
Nas mãos de uma criança

Não me lembro
Do som e entoação
Que tinha a tua voz
Imagino que fosse doce como o mel
Na tentativa de disfarçar
O permanente travo a fel
Que trazias e que querias evitar
E também aquele grito na garganta
Que pretendias calar

Lembro-me de ti
De quando te penteavas frente espelho
Cabelo longo, enfraquecido e branco como a neve
Desembaraçavas os fios esbranquiçados
Com a ajuda de uma "travessa"
Num gesto sábio e experiente
Fazias um belo chinó
E voltavas a colocar o lenço preto
Ficava a matutar o porquê de alguém
"Perder tempo" a arranjar o cabelo
Para logo a seguir o esconder!

Lembro-me de Ti
Sempre trajada de negro
Em homenagem à morte
Para recordar a dor e o sofrimento
Um dia perguntei-te o porquê
Desse teu vestir de preto
"Estou de luto"
Mas passaram mais de 20 anos retorqui eu
«Para mim não passaram...
É como se fosse hoje» respondeu-me
Com um tom grave e enigmático
O olhar perdido e vazio
Notei os olhos a ficarem opacos
Ia jurar que tinha contado uma lágrima
«Não há nada que apague a dor
Da morte de um filho... quanto mais de dois...»
E como isto olhou-me com ar sério e de enfado
Como quem dizia
"Nina, não são contas do teu rosário"
Nunca mais a inquiri
Sobre o estranho fado
De vestir de negro
Soube ali que seria até ao fim
Na vida e na morte

Lembro-me de Ti
Lutadora, corajosa
Dura, séria e grave
Meiga e verdadeira
Vencedora das agruras da vida

Lembro-me de Ti
Esposa, mãe, avó
Mas sobretudo MULHER
Com fibra beirã
Mulher das serras

Lembro-me de Ti
Sei que sonho na mente
Sei que te levo na alma
Sei que te guardo no coração
Sei que te tranco no peito
Sei que te transporto nos genes
E não é sem razão
Que te trago no sangue
Que corres nas minhas veias
E enquanto eu viver
Vou lembrar-me de ti
MULHER, minha Delphininha

Um comentário:

angelofpromise disse...

Despertou-me um sorriso triste... É uma belíssima homenagem.
Beijo